A sessão anterior explicou a ciência básica das cadeias alimentares, ciclos biogeoquímicos e formação do solo. Em seguida resumiu o desenvolvimento histórico do cultivo de alimentos e da agricultura, com atenção especial à Revolução Verde. O impacto ambiental do sistema alimentar industrial também foi discutido, assim como as ações que estão sendo tomadas para desenvolver um sistema alimentar ambientalmente sustentável. Práticas recomendadas na primeira etapa da criação de um sistema sustentável incluíram:

  • cuidar da saúde do solo
  • eliminar o desperdício de água
  • diversificar as culturas
  • eliminar pesticidas, inseticidas e herbicidas químicos.

Surgem muitas perguntas quando os agricultores decidem pela transição para uma agricultura sustentável. Nem todas essas perguntas são práticas, do tipo “como fazer?”. Algumas podem ser morais, do tipo “devo fazer?”. Alguns exemplos deste último caso:

  • Estou mesmo interessado em cultivo mínimo? Embora eu acredite que isso diminuirá minha produtividade em curto prazo, estou confiante de que meu solo e minha produtividade irão melhorar no futuro. Mas posso arriscar a segurança financeira da minha família nessa aposta? Eu quero ser correto e realista. O que devo fazer?
  • Meu solo pobre sempre precisará de um alto nível de irrigação com drenagem de aquíferos. Eu poderia vender minha fazenda e buscar terras com mais potencial para uma agricultura sustentável, mas isso significaria abandonar um lugar onde passei muitos anos da minha vida. Eu quero ser correto e realista. O que devo fazer?
  • Estou interessado em consorciar meus campos, mas sei que meus velhos amigos que plantam monoculturas não vão me apoiar. Na verdade, eles provavelmente me rejeitarão como um ‘abraçador de árvores’. Eu quero ser correto e realista. O que devo fazer?
  • Eu gosto das abelhas, mas onde eu moro todos usam pesticidas químicos em suas plantações. Eu me sinto desconfortável fazendo qualquer coisa diferente. Eu quero ser correto e realista. O que devo fazer?
Figura 1: Kate Edwards é uma horticultora em Iowa, mas nem sempre foi assim. Kate tinha 24 anos quando decidiu deixar seu trabalho em um escritório de Minneapolis e começar uma fazenda sustentável. Ela enfrentou não apenas questões práticas, mas também morais ao fazer a transição. Leia a história dela e as histórias de muitos outros ‘Heróis da Fazenda’ no site Farm Aid.1

Questões morais como essas surgem para os agricultores rurais (e horticultores urbanos) na primeira etapa do sistema alimentar. Após essa primeira etapa, cada uma das demais – processar, distribuir, consumir e descartar os alimentos – levanta seu próprio conjunto de questões morais, tanto no nível pessoal quanto nas políticas públicas. Essas questões pessoais podem incluir:

  • Vi no noticiário que os oceanos estão ficando poluídos com toneladas de plásticos não biodegradáveis. Eu uso embalagens plásticas em minha pequena fábrica de processamento de alimentos, mas minha produção é só uma gota no oceano. Além disso, se eu passasse a usar papel teria de demitir dois funcionários, porque o custo é mais alto. Eu quero ser correto e realista. O que devo fazer?
  • Os ambientalistas estão me dizendo para parar de transportar meus produtos alimentícios em veículos a gasolina e diesel e mudar para caminhões híbridos. Mas uma mudança como essa custaria caro. Eu quero ser correto e realista. O que devo fazer?
  • Sei que a quantidade e a qualidade dos alimentos que como é importante para minha saúde, mas meu parceiro me diz que também preciso levar em conta a saúde do meio ambiente em minhas escolhas alimentares. Isso tornaria minha vida já tão atarefada e difícil ainda mais complicada. Eu como para relaxar, não para pesquisar sobre o assunto! Eu quero ser realista e correta. O que devo fazer?
  • No que diz respeito ao descarte de alimentos, faço o que todo mundo faz no meu edifício: coloco no lixo que é recolhido pelo serviço de coleta da cidade. As pessoas me dizem que este não é um bom sistema, que quando o alimento se decompõe em aterros ele cria metano, um gás de efeito estufa vinte e três vezes mais potente para a atmosfera do que o dióxido de carbono. Fui aconselhado por meus amigos a fazer a compostagem de resíduos alimentares, mas minha cidade não tem um sistema de compostagem e moro no décimo sexto andar do meu condomínio. Não tenho ideia de como proceder para fazer a compostagem nessa situação. Eu quero ser correto e realista. O que devo fazer?

Como você pode ver, a ética alimentar envolve uma ampla gama de dilemas reais e práticos. Nesta seção apenas tocamos a superfície das questões morais que trabalhadores do sistema alimentar, consumidores de alimentos e formuladores de políticas públicas enfrentam todos os dias. Ao fazer isso não oferecemos respostas a questões morais específicas, mas apresentamos fundamentos que podem ajudá-lo a pensar sobre as questões alimentares de um ponto de vista ético. São os mesmos fundamentos de ética ambiental usados em todos os capítulos de Healing Earth.

Ao explorar os alimentos e as questões dos sistemas alimentares utilizando esses fundamentos você pode chegar a uma consciência mais profunda e continuar a fortalecer seus próprios valores morais. Ao mesmo tempo você estará avançando na visão ambiental apresentada pelo Papa Francisco em Laudato Si’. Valores morais sólidos serão um recurso importante quando você encontrar desafios ambientais agora e nos próximos anos.

Para começar a explorar os alimentos e a ética, voltamos à questão levantada no estudo de caso do óleo de palma da Guatemala que abriu este capítulo: Que fundamentos e normas éticas devem guiar a maneira como produzimos, processamos, distribuímos, consumimos e descartamos os alimentos?

Fundamentos Éticos

Pensando especificamente sobre alimentos e sistemas alimentares, apresentamos os três fundamentos da ética ambiental de Healing Earth desta forma:

  • A alimentação tem valor intrínseco.
  • A alimentação tem valor instrumental.
  • O valor da sustentabilidade exige uma abordagem de “respeito no uso” em relação a todos os elementos do sistema alimentar: solo, água, ar, plantas, insetos, animais e humanos.

Junto com a biodiversidade, os recursos naturais, a energia e a água, os alimentos são uma parte fundamental e insubstituível do ecossistema de nosso planeta. Assim como as plantas, insetos, animais, água e minerais que o constituem, a alimentação tem valor intrínseco.

Olhando para trás

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Para rever os fundamentos e normas da ética ambiental do Healing Earth, retorne à Introdução.

Desse ponto de vista, é moralmente irrefletido instrumentalizar a comida de modo que passemos a vê-la apenas como um objeto que consumimos ou uma mercadoria que gera crédito ou débito nos livros contábeis de uma empresa. A ciência ambiental nos ensina que o valor instrumental dos alimentos não é seu valor econômico, mas seu valor de uso para nutrir a vida na Terra.

O valor da sustentabilidade une os valores intrínseco e instrumental dos alimentos. Ao fazê-lo, aponta para a importância ética de equilibrar esses valores, de manter um equilíbrio moral entre nosso uso instrumental da comida e das pessoas que trabalham com alimentos e nosso respeito pelo valor intrínseco que eles possuem. Essa atitude de “respeito no uso” é a base moral da ética alimentar de Healing Earth. Como escreve o Papa Francisco em Laudato Si’ 11, uma atitude de respeito para com o meio ambiente “não pode ser descartada como romantismo ingênuo, pois afeta as escolhas que determinam nosso comportamento”. Em ética a atitude é importante.

Normas Éticas

As normas éticas que fundamentam o comportamento humano em relação aos alimentos são comunicadas por meio de princípios, objetivos e virtudes. Essas mesmas normas éticas são usadas em todo o Healing Earth e agora são aplicadas aos alimentos e sistemas alimentares.

Questões a Considerar

A palavra ‘mercadoria’ é usada em todo o sistema alimentar industrial. Uma palavra menos usada é ‘mercantilização’. Procure essas duas palavras. Em que são semelhantes? Em que são diferentes? Que questões morais essas palavras levantam em relação aos alimentos e sistemas alimentares?

Princípios Morais e Alimentação

No início deste capítulo observamos que a experiência alimentar de muitos moradores urbanos se limita a comprar alimentos em mercearias e restaurantes e a consumir em casa, em restaurantes ou em qualquer outro lugar. Nesta experiência alimentar, as quatro etapas anteriores e posteriores ao consumo – produção, processamento, distribuição e descarte – estão normalmente ‘longe dos olhos e da mente’.

O estudo da alimentação sob uma perspectiva de ciência ambiental chama a atenção para essas etapas invisíveis. Essa atenção nos aproxima das atividades da vida real que transportam nossa comida da terra e do mar para o prato e para o lixo. Aprender sobre essas atividades nos deixa mais próximos das questões morais que as pessoas enfrentam ao longo do sistema.

Healing Earth oferece seis princípios éticos como diretrizes para trabalhar as questões morais que surgem na produção, processamento, distribuição, consumo e descarte de alimentos. Esses princípios são:

Photo of Seafood City
Um número crescente de mega-supermercados em grandes centros urbanos, como o Seafood City Supermarket em Chicago, Illinois, EUA, possui restaurantes na área de mercearia. 2
  • cuidado com a criação
  • dignidade humana e direitos humanos
  • bem comum
  • a destinação universal de bens
  • a opção preferencial pelos pobres
  • o princípio da subsidiariedad

Cuidado com a Criação

O princípio moral do cuidado com a criação comunica a responsabilidade que temos de preservar e proteger o meio ambiente ao disponibilizarmos os frutos da Terra para os seres humanos e outros organismos. Isso desafia as pessoas na primeira etapa do sistema alimentar a ter em mente o cuidado com a criação ao decidir sobre os métodos de preparo do solo, irrigação, diversidade de culturas, cuidados com os animais e controle de pragas. As pessoas que nos representam em cargos públicos também devem respeitar esse princípio ao formular políticas e leis relacionadas a alimentos e sistemas alimentares.

Análise Detalhada

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Em sua reunião internacional de 2018 em Toronto, Canadá, o Parlamento das Religiões Mundiais acrescentou uma quinta diretriz à sua longa Ética Global: Compromisso com uma Cultura de Sustentabilidade e Cuidado com a Terra. Leia mais aqui sobre esta importante iniciativa.

As práticas agrícolas que rejeitam o princípio do cuidado com a criação degradam persistentemente o solo, exaurem o suprimento de água doce da Terra, confinam um grande número de animais aos CAFOs, contribuem para o colapso das colônias de abelhas, poluem nossas águas e espalham produtos químicos perigosos no solo e no ar. A transição para o afastamento de tais práticas exige coragem e imaginação. O princípio do cuidado com a criação nutre essas virtudes. Como afirma a Conferência Nacional Católica para a Vida Rural em sua declaração ‘The Web of Life is One’:

A cadeia da vida é uma só. A criação tem integridade e um valor inerente além de sua utilidade para os seres humanos. . . Não podemos fazer apenas o que queremos com a ordem criada. Ciência adequada, bom senso e valores apropriados nos ensinarão a respeitar a cadeia da vida e cada membro dela. 3
 

Dignidade Humana e Direitos Humanos

O princípio moral da dignidade humana significa o valor intrínseco que cada ser humano possui na Terra. Este princípio sustenta a afirmação moral de que todos os seres humanos têm direito não apenas à vida, mas também aos recursos materiais necessários à vida. Como afirma o artigo 25 da Declaração Universal de Direitos Humanos das Nações Unidas states: “toda pessoa tem direito a um padrão de vida adequado à saúde e bem-estar de si própria e de sua família, incluindo a alimentação.” E quando pensamos em “todos e cada um dos seres humanos na terra”, devemos também ter em mente não só aqueles que vivem na terra agora, mas também as gerações futuras, tão afectadas pelas nossas decisões, políticas, e práticas actuais.

O reconhecimento concreto do direito do ser humano à alimentação e água potável é o objetivo da “segurança alimentar”. De acordo com a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), a segurança alimentar tem quatro características:

  • alimentos saudáveis, seguros e nutritivos disponíveis em quantidades adequadas às necessidades das pessoas e comunidades;
  • acesso local aos alimentos a um custo acessível;
  • alimentos utilizados de forma a maximizar seu valor nutricional; 4
  • sistema alimentar que atenda às necessidades das pessoas e comunidades de forma consistente ao longo do tempo.

Análise Detalhada

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Aprenda mais sobrei segurança alimentar aqui.

Desde o início do milênio até o momento houve uma pequena redução no número de pessoas desnutridas. Apesar desse progresso, a prevalência global da desnutrição tem aumentado desde 2015. Em 2017 estima-se que o número de pessoas subnutridas tenha aumentado para 821 milhões – cerca de uma em cada nove pessoas no mundo. Esse aumento está relacionado às mudanças climáticas e às regiões e países com conflitos que causam fome diretamente. Como você aprenderá no capítulo Mudanças Climáticas Globais, eventos climáticos incertos causados por mudanças climáticas induzidas pelo homem impactam regiões do mundo que dependem especialmente de condições atmosféricas previsíveis para serem capazes de cultivar alimentos para seu sustento. Isso demonstra que realmente é necessário que todos em todos os lugares lutem pela dignidade humana e pelos direitos humanos.

Outro direito da Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU em relação ao sistema alimentar mundial é declarado no artigo 4: “Ninguém deve ser mantido em escravidão ou servidão.” Por mais surpreendente que possa parecer para alguns, a escravidão em nível global ressurgiu nas últimas décadas devido ao aumento do tráfico de pessoas. Cientistas sociais afirmam que esse aumento no tráfico se deve em grande parte ao aumento da vulnerabilidade das pessoas causada pelos eventos climáticos mencionados anteriormente. Esses eventos aumentaram os níveis de migração humana e ampliaram a lacuna entre ricos e pobres.

Taxas de fome no mundo desde 2000.5

Os migrantes pobres são os principais alvos dos traficantes de pessoas. O Relatório sobre Tráfico de Pessoas de 2018 do Departamento de Estado dos EUA observa que uma parte significativa dos 27 milhões de homens, mulheres e crianças vítimas de tráfico de pessoas em todo o mundo são trabalhadores escravos do sistema alimentar. A maioria dos proprietários de escravos são empreiteiros locais que sequestram migrantes e os colocam em servidão ou escravidão por dívida. Os proprietários então alugam seus escravos para fazendas industriais, ranchos, extração de madeira ou operações de pesca. Normalmente as indústrias globais ou empresas locais que empregam esses trabalhadores negam ter qualquer conhecimento de que seus trabalhadores são escravos.

Trabalhadores agrícolas escravizados na Costa do Marfim, na África, carregando cacau para uma área de coleta. 6

Muitos consumidores no mundo desenvolvido desfrutam de alimentos em uma ponta da cadeia de suprimentos que tem escravos na outra. Slaveryfoodprint.org desenvolveu uma pesquisa que você pode usar para estimar os bens que você costuma consumir e o número de escravos ao longo da cadeia de abastecimento que provavelmente estiveram envolvidos na produção desses bens. Um think-tank canadense apartidário denominado Centre for International Governance Innovation concentra sua pesquisa em segurança global e direito internacional. A organização incentiva os líderes mundiais a desenvolverem políticas humanitárias para ajudar dezenas de milhares de refugiados do clima e prevenir o tráfico humano.

Sejam escravas ou livres, as mulheres no sistema alimentar industrial global sofrem violações persistentes dos direitos humanos. Em muitas áreas do mundo as mulheres não têm permissão para possuir propriedades, não recebem salários equivalentes aos dos homens por trabalho equivalente e não têm acesso igual à educação. As mulheres que são escravas por dívida muitas vezes são alugadas por seus proprietários para famílias como governantas, jardineiras, cozinheiras e lavadoras de pratos.

Claro, apenas dizer que os seres humanos têm dignidade e direitos humanos não cria segurança alimentar, acaba com a escravidão ou aumenta o respeito pelas mulheres. Nossas palavras morais precisam se enraizar nas práticas, políticas e leis reais. Mas as palavras são importantes. Quando o respeito pela dignidade e pelos direitos humanos é falado publicamente encoraja as pessoas e comunidades a assumir riscos, gastar energia e defender direitos para a segurança alimentar, libertação e igualdade dos oprimidos.

Bem Comum

Quando as empresas agrícolas e alimentícias respondem aos desejos dos consumidores individuais de maneiras ambientalmente sustentáveis e socialmente responsáveis elas estão respeitando o princípio do bem comum.

Grocery store aisle
Posicionamento de Produto no Varejo – Uma regra básica de marketing para atrair o interesse do consumidor médio por um produto é “elevar para atrair “.8

 Se o foco para a tomada de decisão de um sistema alimentar é principalmente ativado pelos desejos pesquisados de mercado de um consumidor “estatisticamente médio”, então esse sistema alimentar irá comprometer a saúde do solo, proteção da água, tratamento humano de animais, controle não químico de pragas , e compostagem para o custo alimentar e conveniência desse consumidor individual. Quando uma empresa agrícola ou alimentícia restringe seus objetivos a este ponto está violando enormemente o princípio do bem comum.

Fairtrade logo. Looks like a cross between the yinyang sign and the bird.
Esta é a marca registrada da organização de comércio justo Oxfam. Clique aqui para saber mais sobre a organização. 9

Um dos objetivos do Fair Trade Movement – Movimento do Comércio Justo – é equilibrar as conquistas econômicas com o bem comum. A ideia do comércio justo é ajudar os produtores de alimentos nos países em desenvolvimento mais pobres a obter um preço justo por seus produtos, conectando-os a consumidores de alimentos conscienciosos nos países desenvolvidos que desejam comprar produtos de qualidade e promover o bem comum. Os dois mecanismos mais amplamente reconhecidos para os consumidores identificarem produtos de comércio justo são a certificação do produto por organizações de comércio justo, como a Organização Mundial de Comércio Justo, e o selo de comércio justo colocado na embalagem dos produtos.

De uma ideia que começou com apenas algumas pessoas na Grã-Bretanha no final dos anos 1940, o movimento de comércio justo cresceu a ponto de as vendas globais de produtos de comércio justo atingirem um recorde de US$ 9,2 bilhões em 2017. Um artigo recente na Winsight Grocery Business Report disse sobre uma organização de comércio justo:

“Em 2017 a Fairtrade America trabalhou com mais de 1,6 milhão de agricultores e trabalhadores em 75 países para melhorar a sustentabilidade de sua cadeia de abastecimento por meio de estratégias como obtenção de rendimento e salário mínimos, fortalecimento da posição de mulheres e jovens, apoio às comunidades para mitigar os efeitos das mudanças climáticas e trabalho com parceiros para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável [ONU]. Hoje, mais de 30.000 produtos com o selo do certificado de comércio justo estão disponíveis em 150 países.”7

Análise Detalhada

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Para aprender os 10 Princípios do Comércio Justo de acordo com a World Fair Trade Organization, leia este relatório.

É importante verificar com as comunidades e agricultores que participam do movimento de comércio justo ou outros semelhantes para garantir que a sustentabilidade seja mantida não apenas ambiental e economicamente, mas também cultural e espiritualmente. Eventualmente, quando o objetivo é fornecer produtos para consumidores em países distantes, o produto passa a ser visto como apenas mais uma mercadoria no mercado, e o princípio do bem comum se perde. Em sua encíclica social Centesimus Annus de 1991, o Papa João Paulo II afirma que uma empresa não deve atuar como uma “sociedade de bens de capital” voltada exclusivamente para recompensas financeiras para seus proprietários e investidores. Em vez disso, uma empresa deveria atuar como uma “sociedade de pessoas” que obtém recompensas financeiras e serve ao bem comum. O Papa desafiou as empresas a reunir produtores e consumidores globais em uma “cadeia de solidariedade em expansão progressiva” que crie valor não apenas para o empresa, mas para a sociedade como um todo. Portanto, seja você um consumidor ou um agricultor, todos temos um papel a desempenhar para defender a sustentabilidade saudável e o bem comum.

Destinação Universal de Bens

Outro importante princípio moral da ética alimentar de Healing Earth é a destinação universal dos bens. No que diz respeito aos alimentos, este princípio concentra nossa atenção na “destinação universal”, ou propósito final, dos alimentos e dos sistemas alimentares. Esse propósito é nutrir a vida de forma justa e sustentável.

Um desafio perene ao princípio da destinação universal dos bens é a absolutização da propriedade privada, especialmente quando se trata da privatização dos alimentos e da água. Por um lado, as evidências sugerem que a propriedade individual aumenta a probabilidade de que a coisa possuída seja melhor usada e cuidada do que se pertencesse a um grupo. Séculos atrás, o famoso teólogo católico romano medieval São Tomás de Aquino escreveu em sua Summa Theologica que há três razões para favorecer a propriedade individual. Quando algo é possuído por um grupo, 1) os indivíduos terão uma tendência a “fugir do trabalho e deixá-lo para outro”, 2) “haveria confusão se todos tivessem que cuidar de alguma coisa indeterminadamente, e 3) “brigas surgem com mais frequência onde não há divisão das coisas possuídas.”

São Tomás de Aquino11

Por outro lado, São Tomás advertiu contra a absolutização da propriedade individual. Em sua análise moral de ‘furto e roubo’, Tomás faz uma afirmação que acompanhou os séculos e está no cerne do princípio da destinação universal dos bens: “in necessitate sunt omnia communia”, isto é, “em casos de necessidade, todas as coisas são propriedade comum “. Ele continua, dizendo:

Não é roubo, propriamente falando, tomar secretamente e usar os bens alheios em caso de extrema necessidade: porque aquilo que ele tira para o sustento de sua vida torna-se sua propriedade em razão dessa necessidade.10

São Tomás está pensando aqui em uma pessoa que sofre de fome ou sede extrema e outra pessoa que possui uma quantidade de comida ou água além de suas necessidades imediatas. A ‘troca de propriedade’ que libera a culpabilidade moral de uma pessoa do roubo é ocasionada pela condição extrema da pessoa e pelos bens excedentes da outra pessoa. Mas as coisas nunca deveriam ter chegado a este ponto. Quem goza de abundância de bens, diz São Tomás, é “encarregado de cuidar das suas próprias coisas, para que com elas ele possa auxiliar os necessitados.”

Opção Preferencial Pelos Pobres e Vulneráveis

O princípio da opção preferencial pelos pobres e vulneráveis diz respeito à nossa resposta às pessoas em condições extremas como fome e sede, como acabamos de descrever. Como nas emergências médicas, o princípio da opção preferencial nos chama a dar prioridade ao tratamento daqueles que mais precisam de cuidados.

Alguns de nós podem viver em comunidades se veem pessoas sofrendo de fome, desnutrição ou sede. Outros de nós podem ter visto apenas fotos de pessoas nessa condição. Qualquer que seja a situação em que nos encontremos, o objetivo do princípio da opção preferencial é desviar nossa atenção das ocupações de nossos dias para o sofrimento presente das pessoas que passam fome.

Essa mudança pode assumir a forma de apoio a um banco de alimentos de emergência local. Também pode significar apoio a organizações internacionais dedicadas a fornecer alimentos e água para pessoas necessitadas. Milhares de pessoas em todo o mundo, despertadas pelo princípio da opção preferencial, trabalham para organizações como as listadas abaixo. Acesse seus sites e aprenda sobre elas.

Feeding America
World Food Programme
Bread for the World
Food-aid International
World Vision International

Subsidiariedade

Na ética alimentar de Healing Earth o princípio da subsidiariedade enfatiza a importância de ajudar as pessoas com seus problemas agrícolas e alimentares de forma a não privá-las de suas próprias perspectivas culturais, experiência histórica e atuação pessoal. Esta é uma crítica comum ao sistema alimentar industrial – as decisões sobre a produção, processamento, distribuição, consumo e descarte de alimentos são feitas ‘à distância’ por pessoas que provavelmente nunca viram a terra, os animais, os seres humanos e as comunidades locais impactadas por suas decisões.

Análise Detalhada

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Para obter mais informações sobre os sistemas alimentares locais, visite o site do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos.

Um sistema alimentar sustentável depende do conhecimento e da participação local e inclui componentes econômicos, ambientais, culturais, espirituais, sociais e políticos. O sistema só tem sucesso quando existem relações de feedback próximas e transparentes entre produtores locais, consumidores e o setor financeiro, transportadores, processadores e eliminadores de alimentos e até mesmo escolas locais e conselhos municipais. Em seu estudo recente sobre a ‘rede do sistema alimentar local’, Catherine Brinkley discute pesquisas que mostram “que os sistemas alimentares locais ajudam a forjar redes sociais de valores compartilhados com foco na manutenção da terra na agricultura, apoiando práticas de cultivo agroecológico, promovendo a equidade de acesso a alimentos saudáveis e sustentação de economias locais inclusivas.”

Somos lembrados mais uma vez que uma ética alimentar começa com uma atitude de respeito pela terra, água, ar, plantas, animais e os alimentos que os seres humanos produzem a partir deles. O princípio da subsidiariedade concentra nossa atenção moral nas circunstâncias de ‘pessoas reais’ e como podemos ajudar suas vozes a serem ouvidas.

Questões a Considerar

Você provavelmente já ouviu alguém ser chamado de uma ‘pessoa de princípios’ ou uma pessoa que ‘defende os princípios’. Você conhece alguém assim? O que você acha que isso significa? Qual princípio você acha mais necessário para uma pessoa ‘se firmar’ quando se trata de ética alimentar? Por quê? Você se consideraria uma ‘pessoa de princípios’? Em caso afirmativo, em quais princípios você “se baseia”?

Objetivos Morais e Alimentação

O objetivo moral da ética alimentar de Healing Earth é disponibilizar alimentos saudáveis para todos os seres vivos de forma sustentável. Este é um objetivo nobre.

Quando olhamos para um objetivo nobre como este, é útil lembrar-se de duas coisas. Primeiro, é melhor buscar metas elevadas em nível local com metas específicas e escalonáveis. Em segundo lugar, objetivos elevados não apenas apontam para fora, para um amanhã melhor para o bem comum, mas também apontam para dentro, para ajudar-nos a moldar quem somos como pessoas de princípios. De acordo com Robin Lovin, os objetivos

dão forma às nossas vidas e com o tempo fazem de nós quem somos. Nossos objetivos fornecem a imagem mais clara do que pensamos pertencer a essa boa vida que todos buscam. Nossos objetivos dizem o que pensamos ser realmente valioso, o que vale a pena desejar. 12
 

Ao longo desta seção de Alimentação e Ética de Healing Earth enfatizamos como é importante viver sua ética alimentar com uma atitude de respeito pela terra, plantas, animais e seres humanos que trabalham ao longo das etapas do sistema alimentar. O objetivo de disponibilizar alimentos saudáveis para todos os seres vivos de forma sustentável expressa esse respeito.v

Questões a Considerar

Quando você pensa em seus objetivos na vida, que lugar a alimentação ocupa em seu pensamento? Talvez você só pense em alimentação como algo de que precisará para manter seu corpo saudável enquanto busca seus objetivos. No espírito de Healing Earth, considere a justiça alimentar e um sistema alimentar sustentável como objetivos adicionais em sua vida. Que ajustes você pode fazer para adicionar esses objetivos à sua vida?

Virtudes Morais e Alimentação

Outra maneira pela qual a atitude moral de respeito é fortalecida em nossas vidas é por meio das virtudes morais. A ética ambiental de Healing Earth nos incentiva a praticar as virtudes da gratidão, coragem, justiça, prudência, temperança e generosidade em nossa relação com os alimentos, trabalhadores do sistema alimentar e consumidores de alimentos.

Embora a próxima seção deste capítulo explore Alimentação e Espiritualidade, é interessante notar aqui que sob uma perspectiva histórica os seres humanos em todas as culturas da Terra desenvolveram formas rituais de “agradecer” pelo alimento. Essa gratidão pela comida parece ser uma característica quase primordial da existência humana. Em ambientes urbanos contemporâneos, onde as pessoas estão distantes da natureza, pode ser necessário dar mais atenção a esta virtude da gratidão pela alimentação.

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Cesar Chavez

Cesar Chavez (1927-1993) foi um ativista corajoso e não violento pelos direitos dos trabalhadores agrícolas migrantes nos Estados Unidos. Ele fundou com Dolores Huerta o United Farm Workers Union em 1962. Na década de 70 o UFW foi reconhecido como o agente de negociação legal para mais de 50.000 trabalhadores do campo migrantes na Califórnia e na Flórida. Assista a est video curto sobre a vida de Cesar Chavez. 14

Em várias partes do capítulo mencionamos que a coragem é importante para a transição para um sistema alimentar sustentável. Podemos precisar de coragem para fazer tudo, desde mudar nossos hábitos alimentares até redesenhar um local de trabalho. “A coragem se torna uma virtude”, escreve André Comte-Sponville, “somente quando serve aos outros”. 13 Quando aplicada à alimentação, a coragem é o esforço de que precisamos para correr riscos e manter a esperança, ao mesmo tempo que apoiamos as transições para uma alimentação saudável e sistemas alimentares sustentáveis.

A virtude da justiça nos infunde um senso de justiça. Quando aplicada aos sistemas alimentares em nossas vidas, justiça significa manter uma atitude de respeito pela terra, plantas, animais e seres humanos que respondem pelos alimentos que comemos. Porém, mais do que isso, a justiça nos chama à restituição pelos danos que causamos a qualquer coisa ou pessoa dentro do sistema alimentar. Quais são esses danos e como a restituição pode ser feita é o assunto deste capítulo.

Prudência é a disposição para deliberar sabiamente sobre um curso de ação; tomar decisões com cautela, de forma bem fundamentada e criteriosa. As transições para sistemas alimentares ambientalmente sustentáveis requerem deliberação sábia. Voltar a atenção para o que é local requer ouvir, observar – e provar! A deliberação sábia reflete o movimento em direção a ecossistemas equilibrados. Se a gratidão é a virtude necessária ‘no início’ de uma ética alimentar, a prudência é a virtude necessária ‘no processo’.

Em matéria de comida, a virtude da generosidade promove “pagar adiante”. Ou seja, depois de nos beneficiarmos de alimentos saudáveis provenientes de fontes sustentáveis de alimentos, somos encorajados a retribuir essa generosidade apoiando produtos e empreendimentos que contribuam para o crescimento do movimento de alimentos alternativos.

Nesta seção de Alimentação e Ética apresentamos uma estrutura de fundamentos morais e normas para ajudar a pensar sobre as questões alimentares sob um ponto de vista ético. Pensar com essa estrutura pode ajudar a nos tornarmos mais conscientes dos valores, princípios, objetivos e virtudes morais que já possuímos ou que talvez nunca tenhamos considerado. Este é o processo de aprofundar nossa autoconsciência.

Uma autoconsciência maior nos coloca em contato com as coisas que mais nos preocupam em nossas vidas, as coisas às quais atribuímos nossos desejos mais profundos. Como dissemos em todo o livro Healing Earth, nossos desejos mais profundos dão sentido às nossas vidas, eles nos inspiram ou “respiram” dentro de nós. O que inspira uma pessoa está no cerne de sua espiritualidade. A alimentação tem sido um aspecto importante da espiritualidade humana desde tempos imemoriais. É para este tópico que nos voltamos agora. 

Questões a Considerar

Dê um exemplo de onde você acha que uma pessoa precisaria de coragem se estivesse envolvida com algum aspecto da mudança do sistema alimentar industrial para um sistema alimentar mais ambientalmente sustentável. Depois da coragem, de que virtude você acha que essa pessoa mais precisaria? Por quê?