Na seção Energia e Ciência, aprendemos que há muitas vantagens em usar fontes de energia renováveis em vez de fontes de energia não renováveis. A seção Ciência enfatizou que, ao contrário do carvão, petróleo ou gás, as energias renováveis do sol, vento, água e energia geotérmica são

  • Limpas: usam energias renováveis, reduzindo as emissões de carbono (CO2)
  • Accessíveis: a maioria está disponível em todo o mundo
  • Abundantes: quando juntas, a oferta é inesgotável
  • Sustentáveis: podem apoiar ecossistemas e garantir disponibilidade futura

Os benefícios das energias renováveis são claros. No entanto, aproximadamente 80% da energia que os seres humanos usam em todo o mundo ainda provêm de fontes não renováveis e ambientalmente destrutivas. Existem muitas razões para isso, incluindo:

  • Sistemas econômicos e políticos do mundo desenvolvido cujo uso de combustíveis fósseis está profundamente enraizado.
  • Hábitos de vida das pessoas no mundo desenvolvido moldados por esses sistemas econômicos e políticos, que exigem o gasto de grandes quantidades de energia não renovável
  • A necessidade de milhões de pessoas que vivem na pobreza no mundo subdesenvolvido de queimarem biomassa (especialmente madeira) para obter energia

Análise detalhada

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Para uma descrição abrangente da linguagem de desenvolvimento, dê uma olhada neste artigo publicado pelo Banco Mundial.

Usamos a linguagem do “desenvolvimento” aqui porque atualmente é a mais comum para diferenciar países ricos de pobres. Em suma, podemos dizer que no nosso caso “desenvolvimento” refere-se à qualidade de vida que é disponibilizada aos habitantes humanos de uma sociedade e ao nível do crescimento econômico dessa sociedade. Os países do mundo desenvolvido são ricos em recursos e comércio e oferecem uma qualidade de vida que proporciona fácil acesso à educação e assistência médica, oportunidades de emprego, disponibilidade de ar limpo, água potável e segura, proteção contra crimes e assim por diante, e os países subdesenvolvidos são pobres porque a maioria dos cidadãos não tem acesso às necessidades humanas mais básicas, como abrigo, água potável e ar limpo.

Energia e seres humanos: uma breve história

O surgimento da energia industrializada

Os seres humanos queimaram carvão para obter energia térmica em pequena escala desde a Antiguidade, mas foi somente no século XVIII, no início da Revolução Industrial na Europa, que foram criadas tecnologias energéticas capazes de consumir ininterruptamente quantidade ilimitada de carvão para energia (como o motor a vapor). Como resultado, a extração e o uso de combustíveis fósseis expandiram-se por toda a Europa, mudando a vida das pessoas que lá viviam. Essa adoção da tecnologia e do uso de combustíveis fósseis para obter energia em toda a sociedade deu origem ao que chamamos de “mundo moderno”. Infelizmente, em meados do século XIX, o uso generalizado de carvão e outros combustíveis fósseis criou problemas de poluição do ar e da água na Europa.

O carvão, mostrado aqui em suas formas nativa e processada, é o primeiro combustível fóssil que os humanos descobriram como fonte de energia. 3

Enquanto a Europa produzia a nova tecnologia de combustíveis fósseis durante o século XVIII, a economia nos Estados Unidos ainda era baseada em fontes de energia renováveis e orgânicas. No entanto, no final do século XIX, a indústria de carvão dos EUA se tornava a maior do mundo, alimentada por minas de carvão construídas nos Montes Apalaches, através das pradarias do Meio Oeste e as Montanhas Rochosas.

Regiões de mineração de carvão nos Estados Unidos em 2010. 4

Este desenvolvimento foi um triunfo industrial que posicionou os EUA como uma potência mundial pela primeira vez na história. Foi também um desastre ambiental. Após alguns anos de construção da maior indústria de carvão do mundo, os Estados Unidos tiveram que enfrentar os mesmos problemas de poluição ambiental que haviam se tornado comuns na Europa.

Uma fotografia de 2013 de Xangai, China (mapa # 22), ao meio-dia, mostrando a poluição do ar emitida pelas usinas elétricas a carvão da China. 5

No início do século XX, muitos acreditavam que a água, o ar e os pulmões humanos podiam se purificar dos poluentes dos combustíveis fósseis. No entanto, no século XXI, essa ideia equivocada desapareceu completamente em face da erosão do solo, da liberação de chuva ácida e material particulado, da disseminação de gases de efeito estufa e produtos químicos tóxicos, poluição do ar e da água e aquecimento da Atmosfera causada pelo consumo de combustíveis fósseis em larga escala.

Em 2014, o número de mortes humanas devido à poluição do ar emanada pelo uso de combustíveis fósseis na China foi estimado em 670.000. Estima-se também que, nos Estados Unidos, aproximadamente 20.000 pessoas morrem prematuramente a cada ano devido à poluição causada por combustíveis fósseis. Além disso, as estimativas mundiais colocam a taxa global de mortalidade diretamente causada pela queima de combustíveis fósseis em 3,1 milhões de pessoas por ano. 1 Contudo, novas investigações em 2018 sugerem que as emissões de combustíveis fósseis foram responsáveis por 18% do total global de mortes, significativamente mais elevadas do que as anteriores investigações sugeriam.2

Mudança de energia não renovável para energia renovável

Hoje em dia, o principal desafio em relação à energia é como fazer a mudança necessária de energia não renovável para renovável, uma mudança que está muito atrasada. Como observado acima, esse desafio não é apenas uma questão de mudar as tecnologias. É também uma questão de mudar os sistemas sociais e os hábitos de vida. Os padrões dominantes de vida, tanto individuais como institucionais, existentes há duzentos anos nos países desenvolvidos, precisarão mudar.

A mudança para a energia renovável exigirá que governos nacionais e organizações internacionais desenvolvam e apliquem novas regulamentações energéticas. As empresas precisarão tornar sua avaliação e uso de energia transparentes e adicionar os “custos de externalidade” do impacto ambiental ao seu método contábil (chamado Triple Bottom Line Accounting; ver figura abaixo). As pessoas (especialmente nos países desenvolvidos) precisarão descontinuar hábitos de vida que desperdiçam energia.

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“Triple Bottom Line Accounting (TBL) é um método de contabilidade de custo total que expande o cálculo de lucros e perdas de uma empresa para além de despesas de mão de obra e materiais (custos econômicos), para assegurar justiça social nas práticas de negócios e impacto do produto (custos sociais) e impactos das operações de negócios nos recursos naturais (custos ambientais). Leia mais sobre as possibilidades e dificuldades da contabilidade da TBL. 6

Infelizmente, hábitos de vida profundamente enraizados podem ser difíceis de abandonar. Nos países desenvolvidos de hoje, os geradores de combustíveis fósseis produzem uma enorme quantidade de energia não sustentável a um custo de mercado relativamente baixo. Na fase de transição da energia não sustentável para a sustentável, muitas pessoas (especialmente nos países desenvolvidos) serão convocadas a reduzir seu consumo de energia e pagar mais pela energia que usam.

Além disso, não são apenas indivíduos que resistem a mudanças de estilo de vida, mas também instituições políticas e econômicas, que tipicamente preferem a rotina estável à transformação. Em todos os níveis, a mudança pode ser ameaçadora e difícil. Isso exige que repensemos nossas prioridades, observemos nossos valores fundamentais e tomemos decisões sérias. Em outras palavras, mudanças significativas em fontes de energia, uso e políticas forçam as instituições e os indivíduos a enfrentar questões éticas. O Energy, Justice and Peace – EJP (Pontifício Conselho Justiça e Paz) afirma em seu documento Energia, Justiça e Paz: “As transformações de energia nunca são atividades eticamente neutras”. 7

À medida que continuamos a considerar as questões éticas levantadas pela energia, vamos ter em mente a questão colocada no final do estudo de caso de El Hierro do começo deste capítulo:

  • Que contribuição os princípios, objetivos e virtudes morais do Healing Earth dão aos nossos julgamentos éticos sobre aquisição, uso e distribuição de energia?

Olhando para trás

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Para rever os fundamentos e normas da ética ambiental do Healing Earth, retorne à Introdução.

Para enfrentar os desafios éticos que surgem na mudança de energia não renovável para energia renovável é necessário relembrar os três fundamentos da ética ambiental de Healing Earth:

  • O mundo natural tem valor intrínseco
  • O mundo natural tem valor instrumental
  • O Valor da sustentabilidade ambiental equilibra os valores intrínseco e instrumental da natureza

A energia do sol é um valor intrínseco da Terra. A energia solar (juntamente com as fontes hidrotermais) tornam a vida biológica possível na Terra. Ao ativar os processos vitais do planeta, o Sol permite que as plantas cresçam, que a chuva caia e o vento sopre. Se a comida, a água e a Atmosfera são valiosas em si mesmas, então sua fonte de energia também é intrinsecamente valiosa.

Como fica óbvio pela sua capacidade de ler essas palavras em um computador, laptop ou I-Phone, a energia tem valor instrumental. Utilizando as energias do Sol e da Terra, os seres humanos construíram civilizações e impérios. A cultura de mídia social mundial de hoje e o sistema econômico global são fruto da imaginação humana e da energia da natureza. O valor da sustentabilidade nos direciona a usar a energia da Terra com um olho no futuro. Como podemos aproveitar as energias da Terra e do sol de forma a preservar e proteger a terra, a água, a vida animal e as comunidades humanas?

O valor intrínseco e instrumental, junto com o valor da sustentabilidade ambiental, são os fundamentos morais para normas éticas mais específicas que nos orientam em nossa consideração moral da energia. Na estrutura ética da Healing Earth, as normas são expressas de três maneiras: como princípios, objetivos e virtudes.

Princípios Morais e Energia

Como expressão de nossa obrigação moral de cuidar da Criação, somos convidados a utilizar as energias da natureza de maneira a não esgotar as fontes não renováveis, nem obstruir ou prejudicar as fontes renováveis.

O Solar Electric Light Fund (SELF) é uma organização sem fins lucrativos dedicada a projetar sistemas de energia solar para pessoas que vivem em pobreza energética. O SELF é um vigoroso defensor do direito à energia. 12

O desafio da transição para fontes de energia sustentáveis em todo o mundo é uma questão de direitos humanos. Assim como os seres humanos têm direito às necessidades básicas da vida, como abrigo, comida, etc., todas as pessoas também têm o direito moral de acesso à energia de que necessitam para viver. No entanto, os governos nacionais em todo o mundo ainda não transformaram esse direito moral em exigência legal. Por exemplo, 18% da população mundial vive atualmente sem eletricidade. O reconhecimento legal do direito à energia direcionaria a ajuda externa e os projetos nacionais de infraestrutura para uma distribuição mais justa dos recursos energéticos, de modo que todos pudessem ter acesso à eletricidade (bem como às outras formas de energia de que necessitam).

Para este fim, o Secretário Geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, nomeou o período 2014 – 2024 como a Década da Energia Sustentável para Todos. Ao longo dessa década, a ONU incentivará governos e organizações não-governamentais a disponibilizar energia renovável e sustentável para mais pessoas. Um dos projetos incluídos nesse esforço é o “Global Tracking Framework”, que reúne dados sobre parâmetros de disponibilidade de energia em todo o mundo e fornece atualizações semestrais sobre as tendências de acesso à energia.

De uma perspectiva moral, a energia também é considerada um bem comum; isto é, um poder que possibilita aos “grupos sociais e seus membros um acesso relativamente completo e pronto à sua própria realização”. 8 O documento Energia, Justiça e Paz (EJP) afirma:

O acesso à energia – e às várias fontes ou recursos de energia, bem como a todos os outros recursos naturais – é uma das condições para a realização atual do bem comum. 9

Os princípios, objetivos e virtudes morais discutidos nesta seção são ainda mais detalhados no documento de 2013 do Conselho Pontifício Católico Romano para Justiça e Paz intitulado Energia, Justiça e Paz: Uma Reflexão sobre Energia no Contexto Atual de Desenvolvimento e Proteção Ambiental. 13

Enquanto uma pessoa física, empresa ou instituição pública pode legalmente possuir uma fonte de energia (como uma mina de carvão, hidrelétrica ou parque eólico), a propriedade só é considerada moralmente legítima quando o uso dessa energia não prejudica os seres humanos, nem destrói a sustentabilidade de outras espécies vivas.

Como já observamos nos capítulos sobre Biodiversidade e Recursos Naturais, o bem comum está fundamentado no princípio moral do destino universal dos bens terrestres. De acordo com este princípio, a energia tem um “destino universal”, deve ser usada por todas as pessoas, porque é um requisito fundamental para a vida. Entretanto, o princípio moral do destino universal dos bens pode entrar em conflito com os interesses econômicos de indivíduos ou nações que não reconhecem que o conceito de “propriedade privada” foi criado por interesses políticos e sociais. Portanto, embora os seres humanos tenham criado métodos sociais para tornar legal a propriedade privada da terra e dos recursos naturais, o EJP nos diz que “todas as formas de propriedade podem ser adaptadas às instituições legítimas dos povos, de acordo com circunstâncias diversas e mutáveis, é preciso que dê constante atenção ao destino universal dos bens terrestres.”10

Imagine se o ar que respiramos fosse propriedade privada. Se você não fosse o dono de seu ar particular, teria que comprar ou alugar de alguém. Imagine também que quem lhe vende ar decide aumentar o preço para um valor que você não pode pagar. O que aconteceria com você? Como você teria o ar de que precisa para respirar? Você teria que encontrar um ar mais barato à venda ou alugar de um proprietário particular (que provavelmente iria cobrar juros). Sem ar, os humanos (assim como outros organismos que dependem de elementos da Atmosfera para viver) sufocariam e morreriam.

No cenário acima, podemos perceber que a decisão do proprietário de aumentar o custo do ar para um preço inacessível para os clientes é moralmente repreensível. O ar, como a energia, tem um destino universal; deve estar disponível para todos, porque a vida depende disso. Permitir a posse do ar só seria moralmente justificado se essa propriedade tornasse o ar mais facilmente acessível (do que quando não é possuído) àqueles que necessitam dele. No caso do proprietário acima, acontece o contrário – o proprietário torna o ar menos acessível para as pessoas que precisam, elevando o custo para um preço inacessível.

A propriedade moral da energia – seja por indivíduos, municípios, empresas ou Estados – deve combinar um benefício justo para o proprietário com um esforço sincero de melhorar a distribuição de energia limpa para a comunidade. Como a Conferência dos Bispos Católicos dos Estados Unidos declara em suas Reflexões sobre a Crise de Energia: “a energia é uma ferramenta para satisfazer as necessidades humanas essenciais. Nenhuma política energética é justa se não atende a essas necessidades.” 11

Antes de passar para o próximo princípio, você pode ler sobre a venda internacional de ar para a China. Lá, a crise de poluição do ar é tão grave que em alguns dias você não consegue ver a mão na frente do rosto. Algumas pessoas estão chamando isso de “arpocalipse”. Nesse caso, é bom mercantilizar o ar? Você pode querer discutir esta história com seus amigos e familiares.

O princípio moral da opção preferencial pelos pobres nos convida a encontrar meios de disponibilizar energia aos seres humanos que precisam dela para sobreviver. Estima-se que mais de três bilhões de pessoas no mundo confiam na biomassa tradicional, como madeira, para a preparação diária de alimentos e aquecimento (isso representa um pouco menos da metade da população mundial). Além disso, estima-se que 1,2 bilhão de pessoas no mundo vivam sem eletricidade. Mesmo onde a eletricidade está disponível, milhões de pessoas não podem comprá-la.

Na seção abaixo, usaremos a virtude da justiça como uma lente através da qual poderemos examinar com mais profundidade a grande desigualdade entre a abundância de energia nos países desenvolvidos e a pobreza energética vivenciada no mundo em desenvolvimento. As políticas desenvolvidas para abordar a igualdade energética devem também observar o princípio da subsidiariedade; isto é, as organizações nacionais e internacionais devem estar prontas para fornecer ajuda de energia (subsidium) às comunidades locais, mas ao fazê-lo não restringir ou eliminar a capacidade de unidades sociais menores de procurar energia ambientalmente saudável por conta própria.

Questões a considerar

Imagine novamente que você vive em um mundo onde o ar que você respira está sujeito à propriedade privada (seja por indivíduos, grupos ou instituições governamentais). Nesse caso, imagine que você é dono de todo o ar da sua comunidade. Ao vender o ar que você possui para seus vizinhos, você consegue uma renda que confortavelmente sustenta você e sua família.

  • Suponha que um adulto em sua comunidade seja incapaz de trabalhar devido ao início de uma doença grave. Portanto, esse vizinho não tem mais dinheiro para pagar pelo ar que respira. O que você fará com esse cliente? Que princípios morais guiarão sua decisão?
  • Imagine que a fábrica que emprega a maioria das pessoas em sua comunidade diminuiu a produção e, portanto, demitiu 50% dos trabalhadores. Aqueles que não foram demitidos tiveram suas horas diminuídas para meio período. Como resultado, a maioria das pessoas em sua comunidade não pode mais arcar com o preço cobrado pelo ar. Sem ar, seus vizinhos morrerão. No entanto, sem a compra pelos vizinhos para formar sua renda você não poderá sustentar sua família confortavelmente. O que você vai fazer? Que princípios morais guiarão sua decisão?

Objetivos Morais e Energia

Se levarmos a sério os princípios morais do bem comum, o destino universal dos bens e a opção preferencial pelos pobres, seremos desafiados a desenvolver objetivos que honrem esses princípios. O objetivo moral definitivo do Healing Earth é propor formas de disponibilizar fontes de energia renováveis e sustentáveis a todas as pessoas (ou seja, justiça energética para todos). Como o Papa Francisco observou em sua encíclica Laudato Si: “Sabemos que a tecnologia baseada no uso de combustíveis fósseis altamente poluentes – especialmente o carvão, mas também o petróleo e, em menor grau, o gás – precisa ser progressivamente substituída sem demora”. 14

Para trabalhar em direção à meta de justiça energética para todos, devemos usar abordagens diferentes. Uma abordagem para trazer a justiça energética para todos enfoca a melhoria imediata da disparidade de riqueza que existe entre indivíduos (ou grupos de pessoas) atualmente. O principal objetivo dessa abordagem é ajudar os pobres a acessar a energia de que precisam o mais rápido possível. Para a maioria dos países, especialmente no mundo em desenvolvimento, a urgência moral dessa tarefa exigirá misturar o uso de energias renováveis e não renováveis para obter energia para as pessoas que vivem na pobreza o mais rápido possível. No entanto, essa abordagem fornece apenas uma solução de curto prazo para o problema geral da justiça energética, pois continua a utilizar formas de energia não renováveis. Em alguns casos, o uso de energia não renovável será até ampliado.

De acordo com o esforço de Energia Sustentável para Todos das Nações Unidas, comentado acima, 2030 é a data prevista para tornar a energia acessível a todas as pessoas no mundo inteiro. Estima-se que 55% da nova eletricidade necessária para atender a essa meta terá que vir de fontes de mini-rede e fora da rede. O restante exigirá a expansão nacional da rede elétrica.

Pessoas Inspiradoras

Beth Rickard

Profundamente preocupada com os efeitos ambientais da energia não renovável, a estudante do ensino médio Beth Rickard fundou o programa Conservation and Renewable Energy – CARE (Conservação e Energia Renovável) em sua escola em Arcata, Califórnia. O programa organizou apresentações sobre energia renovável em escolas e comunidades, orientou sobre a instalação de painéis solares e ofereceu sessões de treinamento sobre auditorias de energia em casa. Sua escola agora usa 36% de energia solar e 50% do valor que a escola economiza em custos de energia são repassados para a CARE para expandir seus programas. Leia mais sobre essa jovem heroína da energia.16

A meta de energia para todos até 2030 da ONU também é desafiada por quem se opõe ao uso contínuo de recursos não renováveis para fornecer energia àqueles que atualmente não possuem. Esses oponentes acreditam que o desenvolvimento de tecnologias de energia renovável ficará estagnado se a energia para todos (independentemente de sua fonte) for o único foco da ação de justiça energética.

Por exemplo, alguns cientistas argumentam que continuaremos dependentes do gás natural como fonte de energia durante a transição da dependência de fontes de energia renováveis para não renováveis. Neste caso, o gás natural serviria como uma “ponte” durante a transição das fontes de energia usadas pelas redes de eletricidade nacionais do mundo. No entanto, outros cientistas e ecologistas temem que a construção de uma infraestrutura de gás natural capaz de suprir nossas necessidades energéticas durante a transição desvie a atenção e a ação do desenvolvimento de tecnologias de energia renovável, que possibilitaria a transição para fontes renováveis de energia. À luz dessa preocupação, uma transição equilibrada deve manter o foco nas tecnologias de energia renovável, ao mesmo tempo em que atende à desigualdade imediata de energia com um mix de renovação e fontes de energia não renováveis.

Ouça este debate americano sobre os prós e contras do gás natural como uma ponte para um futuro de energia renovável.

Esse é um bom exemplo de como devemos relacionar o valor de nosso objetivo moral com o valor dos meios para alcançar esse objetivo. Fazer julgamentos morais sobre fins e meios pode ser difícil. É um debate importante e complexo, mas que deve ser moralmente baseado no objetivo final de tornar fontes de energia renováveis e sustentáveis disponíveis para todos.

Consciente das duas vertentes em relação à disponibilidade de energia e sustentabilidade, o Pontifício Conselho Católico Romano sobre Justiça e Paz pede um “Novo Paradigma Energético” no EJP. Este paradigma busca o “desenvolvimento sustentável de sistemas de energia” para todas as pessoas.15 O EJP explica ainda que o objetivo do acesso universal às energias renováveis é:

  • criar uma forma de gestão de economia de energia e de fundos
  • promover o comportamento sustentável dos órgãos privados e públicos e da sociedade civil em geral.

Questões a considerar

Pense nas atividades que fazem você feliz. Alguma dessas atividades depende de energia elétrica? Se sim, de que forma? Se não, por que não?

Você acha que vai usar mais ou menos energia elétrica à medida que envelhecer do que usa agora? Explique sua resposta.

Quais são seus objetivos morais pessoais em relação à energia? Quais você sabe que estão lá, mas não consegue vê-los?

Virtudes Morais e Energia

Diferentemente dos princípios morais que somos convidados a honrar, e dos objetivos morais que somos instados a buscar, as virtudes morais são qualidades de caráter interior que somos desafiados a desenvolver em nossa vida cotidiana. Em 1990, a Conferência dos Bispos Católicos dos Estados Unidos declarou que “o bem comum, tanto doméstico quanto global, exige que nós como indivíduos façamos sacrifícios relacionados ao uso de energia.” 17

A disposição de fazer sacrifícios pelo bem comum é uma virtude moral. No entanto, fazer sacrifícios individuais pelo bem comum entra em conflito com outros valores mantidos por muitas sociedades desenvolvidas, como ganho de capital individual e hábitos de vida confortáveis que dependem fortemente de formas de energia não renováveis. Portanto, a disposição de fazer sacrifícios individuais para alcançar o objetivo de acesso a energias renováveis para todos também pode exigir coragem diante da oposição.

Fazer um sacrifício pelo bem dos outros também é um ato de generosidade.

A ação baseada nas virtudes da coragem e da generosidade é familiar para todos nós; pense em pais que fazem sacrifícios todos os dias pelo bem de seus filhos, ou de soldados que dão suas vidas pela de outros homens e mulheres. Mesmo nos negócios e no comércio, os funcionários muitas vezes trabalham horas não remuneradas em benefício de suas empresas. Indivíduos que vivem em países desenvolvidos e praticam conservação de energia também estão fazendo um sacrifício pelo bem comum da família humana e da própria Terra. Desta forma, todos nós podemos praticar as virtudes morais de coragem e generosidade.

Alguns podem não considerar tais ações como sacrifícios, mas sim expressões de temperança, isto é, moderação no consumo de energia. Viver orientando-se pelo uso moderado da energia é o oposto do que o Papa João Paulo II chamou de uma vida de “consumismo absolutizado”. 18

Análise detalhada

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Assista Story of Stuff (2007), um vídeo de 20 minutos que expõe os bastidores dos padrões não sustentáveis de produção e consumo e os problemas sociais que eles causam. Para mais informações sobre o projeto por trás deste vídeo, visite Story of Stuff webpage.

Os seres humanos que “absolutizam” o consumismo (consumo de bens materiais e serviços) definem sua felicidade pessoal de acordo com a quantidade de bens materiais que podem acumular e consumir. Ninguém nasce com essa definição de felicidade. Aprende-se a valorizar mais a riqueza e o acúmulo de bens do que outras coisas, como a conservação de energia.

No mundo desenvolvido, não faltam empresas com campanhas de marketing de produtos determinadas a nos convencer de que a felicidade está no consumo e no acúmulo de bens materiais. Esta perspectiva persuasiva, porém vazia, leva a um processo crescente de consumo da energia da Terra. 19

Juntamente com a temperança, a virtude moral da prudência também adverte contra o desperdício de energia enraizado no consumismo ilimitado. Lembre-se de que usar energia de forma sustentável significa preservar os ecossistemas e garantir que as gerações futuras tenham suas necessidades de energia atendidas. Prudência é a sabedoria de agir cautelosamente no presente pelo bem do futuro.

As gerações futuras não são os únicos que escapam à perspectiva daqueles que buscam a felicidade através do consumismo absolutizado. As pessoas que vivem na pobreza também estão fora desta perspectiva. Uma pessoa que pratica a virtude da justiça sempre pensa nos outros, especialmente nos pobres. A pessoa justa se coloca no lugar do outro para verificar se a vida deste indivíduo é degradada por suas ações. De uma perspectiva de grupo, podemos ver que o estilo de vida de uma pequena fração da população total do mundo usa uma parcela desproporcional da energia da Terra, enquanto os pobres sofrem excessivamente com esse uso, vivendo em sociedades que sofrem com ambientes naturais degradados e crescente violência política devido à escassez de recursos energéticos. 

Esta famosa litografia, Jesus in the Breadline (Jesus na miséria), de Fritz Eichenberg, lembra aos cristãos que as decisões morais devem considerar a situação dos outros, especialmente os pobres. 21
A vida moral também inclui as virtudes da gratidão e bondade. No caso da energia, isso significa que as pessoas virtuosas recebem e usam a energia com gratidão, sempre conscientes de que é um dom que torna toda a vida possível. Como o Papa Bento XVI enfatizou em sua carta encíclica Caritas in veritate (Caridade na verdade), “a gratuidade deve contribuir para a gestão solidária deste presente precioso [da energia]”. 20 Cuidar das necessidades energéticas dos outros é uma gentileza baseada na solidariedade humana e gratidão pelo mundo natural. Quando o Papa Bento XVI fala do “presente” que é a energia, o concedente a que ele se refere é Deus. Na tradição da fé cristã católica romana, gratidão é a resposta adequada a Deus para a bênção da energia vivificante. Qual a importância espiritual da energia em outras religiões do mundo? A energia tem algum significado espiritual em sua vida? A próxima seção sobre Energia e Espiritualidade convida você a explorar essas questões.

Questões a considerar

“Consumismo absoluto” é a expressão que o papa João Paulo II usou para descrever o estilo de vida em que uma pessoa encontra sua identidade e propósito centrais na aquisição interminável e progressiva de bens e serviços materiais. Embora todos nós tenhamos que consumir bens materiais e serviços para viver, o consumismo absoluto gasta enormes quantidades de energia.

  • Que sinais você procuraria para reconhecer quando alguém passou do consumo moderado de bens materiais para o “consumismo absoluto”?
  • Que sinais presentes no uso de energia de uma pessoa denotam o “consumismo absoluto”?